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Foto do escritorKaren Calazans

A Hora da Estrela – Clarice Lispector


A história da nordestina Macabéa é contada passo a passo pelo escritor Rodrigo S.M., alter-ego de Clarice Lispector, de um modo que busca permitir aos leitores acompanhar o seu processo de criação. O autor faz o relato da vida triste e sem perspectiva da alagoana Macabéa, pontuada com as informações do ‘Você sabia?’ da rádio Relógio, sinistro metrônomo a comandar o ritmo de seus últimos dias de vida. Para a cartomante Carlota, a quem Macabéa procura em busca de um sopro de esperança, esses dias derradeiros deveriam ser coroados com o casamento com um estrangeiro rico. Mas, ironicamente, Macabéa termina sob as rodas de um automóvel de luxo Mercedes-Benz.

Título: A Hora da Estrela 🔹 Autor (a): Clarice Lispector 🔹 Editora: Rocco 🔹 Ano: 1998 🔹 Páginas: 88 🔹 Classificação: 5/5

A primeira edição de A Hora da Estrela foi publicado em 1977. É o último livro de Clarice, e retrata a história de Macabéa, moça do interior que buscar sobreviver na cidade grande. No dia 09 de dezembro de 1977, Clarice falece devido a um câncer no ovário.

Clarice Lispector é conhecida como uma autora de linha introspectiva, que buscava exprimir através de seus textos as agruras e antinomias do ser. Suas obras caracterizam-se pela exacerbação do momento interior e intensa ruptura com o enredo factual, a ponto de a própria subjetividade entrar em crise. Em A Hora da Estrela, Clarice se distancia um pouco dessa vertente e busca expressar o externo.

A Hora da Estrela é narrado em primeira pessoa por um narrador-personagem. Este narrador é um dos personagens principais da história – Rodrigo S. M.. Ele começa o livro se apresentando, e aos poucos vai introduzindo a personagem. E mesmo quando o foco está todo sobre Macabéia, o leitor tem vislumbres da personalidade e a opinião do narrado-personagem diante dos acontecimentos. É quando ele diz ter profundo amor, ódio, pena, ou quando ele diz estar cansado dos personagens e dá um recesso de três dias na escrita.

Moça do interior de Alagoas, Macabéa perdeu os pais ainda pequena, por isso foi criada pela tia beata em um sistema rígido e a base de muitos tapas. Após a morte da tia, a jovem se muda para o Rio de Janeiro, onde vai trabalhar como datilógrafa, serviço indicado pela parenta falecida. Solitária, de aparência frágil, a principal característica da protagonista é a sua alienação, sem motivação, também não tem perspectiva de futuro. A única coisa que realmente gosta de fazer é ouvir a Rádio Relógio, que apresenta basicamente anúncios e informativos triviais – que Macabéa considera alguns relevantes de gravar.

Em um dia de chuva Macabéa conhece Olímpico de Jesus e se apaixona instantemente. Como o próprio livro diz, “eles se reconheceram como dois nordestinos, bichos da mesma espécie que se farejam”. O rapaz trabalhava numa metalúrgica, mas não gostava de ser chamado de “operário”, ele dizia que era metalúrgico. Muito orgulhoso, demonstrava que sabia de tudo, e mesmo quando não sabia, se punha superior diante dos questionamentos de Macabéa. Também muito ambicioso, queria ser político. Dizia que um bom nordestino tinha que ser “cabra macho”; gostava de ver sangue.

O namoro era um tanto que estranho. Olímpico não tinha nenhuma veia romântica e sempre a julgava pela aparência feia e o pouco (quase nenhum) conhecimento ou senso. O namoro também não durou muito tempo. No dia que a protagonista apresentou o rapaz á colega de trabalho, Glória, ela o perdeu definitivamente. Olímpico deixou Macabéa para ficar com Glória, que segundo ele era mais cheia de vida e poderia render-lhe bons frutos, principalmente aqueles que ele almeja na escala social.

Glória, colega de trabalho de Macabéia, sentindo-se culpada por ter roubado o namorado da protagonista, indicou e emprestou dinheiro para que a protagonista pudesse se consultar com uma cartomante, que segundo ela, poderia até arruma-lhe um novo namorado.

Chegando em Olaria, Macabéa se impressionou com a história de vida e superação de Madame Carlota. Na verdade, a cartomante fora prostituta quando jovem e depois ganhou muito dinheiro sendo cafetina, ela esbanjava luxo e sofisticação diante da protagonista, mas como Macabéa nada sabia da vida, muito menos do que se tratou o passado da senhora, achava a história magnífica. Daí, já pode-se levar em conta se tratava de uma falsa vidente. O que acontece após a saída da cartomante, conforme a própria Macabéa pensa, é “o primeiro dia de minha vida: nasci”.

A primeira característica do livro é a marca metalinguística no início da narrativa, ou seja, o livro falando do próprio livro. Acontece que ao apresentar-se como escritor, o narrado-personagem, Rodrigo S. M., cria essa figura de linguagem para introduzir a história de Macabéia. O título também é marca metafórica, tendo em vista que “a hora da estrela” trata-se, no contexto do livro, a morte da personagem.

O texto também finaliza ironicamente, porque só no momento da morte é que Macabéa alcança a grandeza do ser. A história é fluida, pois não se divide em capítulos, é uma narrativa da vida real; o tempo – passado, presente e futuro – se misturam sem nenhuma marca.

Em geral, os livros de Clarice são metafísicos, focam o inconsciente, os sentimentos e sensações dos personagens; neste, ela decidiu fugir um pouco dessa vertente, mesmo assim não deixou de apresentar características intimistas e questionamentos.

Essa marca literária está ligada ao movimento literário que a autora é comumente classificada – o modernismo, mais especificamente, da 3ª fase, conhecida como geração de 1945. Nessa fase, há um desejo de consolidar a literatura nacional através de elementos que reforçavam a identidade brasileira. Clarice é dos nomes mais citados por aprofundar o psicológico dos personagens. A Hora da Estrela é o único livro do gênero novela de Clarice.

📚 Concluindo…

Mais uma vez Clarice se mostrou a escritora hermética que foi. Ela desenvolveu uma trama não só sobre a morte, mas sobre a o significado de estar vivo e ser alguém para si mesmo. Em uma entrevista concedida antes de sua morte, ela disse que quando não estava escrevendo se sentia morta. Tendo em vista que A Hora da Estrela foi seu último livro e escrito na fase final do seu câncer, eu vejo todo o questionamento da autora sobre “estar vivo” nas entrelinhas da narrativa de Macabéa. Na mesma entrevista, Clarice revelou por que decidiu escrever sobre uma nordestina de má aparência e ignorante, e ao saber disso, podemos sugerir que Macabéa tem um pouco de Clarice, quando as duas eram nordestinas e se mudaram para o Rio de Janeiro ainda jovens (única que coisa aproxima as duas). O livro, no geral, é uma reflexão: sobre a solidão, sobre o ser, sobre a cultura e o preconceito. Clarice Lispector, como sempre, nos deixa petrificados como transpassa suas ideias de forma tão impactante.

Pensar era tão difícil, ela não sabia de que jeito se pensava.

OBS.: Eu li este livro no PDF e as páginas não corresponde as do livro, por isso as citações não estão devidamente numeradas.

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